quarta-feira, 22 de junho de 2011

Forçando...Formas...Forsythe

Formas que deformam em ato...


Quando improvisamos gestos, quando o delineamos, um dos recursos imaginários que recorremos é o desenho de formas do movimento no espaço. Como um pincel, espátula, marionete, faca, lápis... desenhar o gesto, modelá-lo passa a lidar com esse jogo de formas. O interessante é perceber que quando trabalhamos com esses "desenhos" estamos também tentando fugir deles. O desenho em ato-dança é a própria tentativa de fuga, pois o rastro do movimento se apaga antes mesmo que se perceba o contorno, a forma.


Forsythe Improvisation Technology, desenvolvido pelo bailarino e coreógrafo Willian Forsythe, é um bom exemplo para pensarmos a relação entre poética (programa artístico, intenção, operação artística) e o acontecimento do gesto, ou mais especificamente, ao escape do gesto na dança. Cito dois videos dele: um solo super famoso (http://www.youtube.com/watch?v=hDTu7jF_EwY) e um outro onde ele explica-fazendo sua poética.

Vejamos:







Nesse vídeo "explicativo", o recurso tecnológico utilizado para evidenciar a permanência do rastro (desenhado no computador) amplia a potência de percepção do gesto, mas ao mesmo tempo me faz pensar sobre o que escapa ao desenho. O gesto de Forsythe no ato de dançar parece está mais próxima à ideia de escape do que a de contorno que ele parece querer evidenciar. Podemos pensar no exercício de escritura de uma poesia: tentativa de escrever e escapar da palavra, do sentido, da linguagem, duplamente no ato de escrever (e aqui poderíamos pensar também no ato de desenhar, ou dançar, ou modelar gestos). Um jogo ente o que é previamente pensado e o que resulta, acontece, ou que é grafo e o que sentido, o que é signo e o que é escrita, o que é presente e o que é outrora, ausente ou por vir. O gesto duplo escapa de sua concretude, mas joga com ela deformando-a, deslocando-a.


Lembrei, ainda, de Bachelard, O Ar e o Sonho (1990, p. 01), que fala da "ação imaginante" como ato de deformar imagens:


A exemplo de tantos problemas psicológicos, as pesquisas sobre a imaginação são dificultadas pela falsa luz da etimologia. Pretende-se sempre que a imaginação seja a faculdade de formar imagens. Ora, ela é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção, é sobretudo de libertar-nos das imagens primeiras, de mudar as imagens. Se não há mudança de imagens, união inesperada das imagens, não há imaginação, não há ação imaginante. Se uma imagem presente não faz pensar numa imagemausente, se uma imagem ocasional não determina uma prodigalidade de imagens aberrantes, uma explosão de imagens, não há imaginação. Há percepção, lembrança de uma percepção, memória familiar, hábito das cores e formas.


No GE, temos falado muito do gesto enquanto modelador. Achei interessante pensarmos como esse "modelador" também joga com ato de deformar - imaginAção - presente/outrora - gesto - rascunho - escape. Talvez nos ajude a pensar-fazer em outros resultados.

4 comentários:

  1. penso que aquilo que escapa ao gesto é tb aquilo que escapa ao controle, à vontade, ao desejo de fechar o significado de uma comunicação. O mesmo que ocorre na linguagem falada e assim voltamos às palavras, os nomes, à Arnaldo Antunes e à xícara do GE, ou seja, à impossibilidade de existir alguma coisa que seria A COISA, e de abraçar, dominar o sentido do outro, impossibilidade de que não haja inadequação na comunicação. Porém tb penso que isso não invalida a necessidade de que ao fazer um gesto, ou ao emitir uma palavra,exista um propósito, seja desenhar uma forma no espaço, ou outro procedimento qualquer. Ao contrário, como não existe uma referência balizadora da verdade das coisas,como não existe mesmo a possibilidade de fechar o significado de nada, a única coisa que nos resta é fazer as coisas segundo nossa própria realidade/verdade, sabendo que mesmo essa não é uma só, mas muitas, e que também nos escapam, não dominamos nem mesmo o que julgamos saber. Mas para não ficar paralizado nestas impossibilidades todas, "navegar é preciso"...

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  2. voltei a olhar este vídeo que vc postou do Improvisation Technologies e desta vez percebi coisas novas. Desenhar o círculo ou a porta não com a intenção de comunicar círculo e porta, mas, como diz Billy, "para ser levado a sair do lugar". o gesto de desenhar como uma estratégia, motivação, fé, tarefa... De certa forma parece que pouco importa ai o desenho, pois "o que" nesse caso parece menos importante do que "como". o que parece importar é a possibilidade de preencher de motivação funcional(no caso o corpo que desenha o espaço) o fazer gestual. o gesto que me chama particularmente a atenção, nesse caso, está relacionado ao estado de presença que é gerado quando um corpo no qual reconhecemos as informações do balé obedece a uma sintaxe de outra natureza, cria um mundo imaginário com regras próprias, um mundo particular.

    Escrevi isso e ao reler estas últimas palavras - "uma sintaxe de outra natureza, cria um mundo imaginário com regras próprias, um mundo particular" - pensei no vídeo da menina autista. Não é assim que ela descreve a natureza de sua comunicação?
    humm..... ainda tem coisa ai pra destrinchar ....

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  3. Eu tbm acredito q pouco importa "o desenho"... quis justamente pensar como a tentativa "impossível" de comunicação do gesto é a comunicação do gesto. A comunicação está na impossibilidade... nesse impossível é que acontece a comunicação; na deformação de formas... na tensão entre formar significantes deformando "significantes".
    Alias, acredito q qqr comunicação, seja ela qual for, está justamente nessa tentativa de concretude de dar conta disso q se quer comunicar... na crença dessa possibilidade que o impossível da comunicação acontece. Quis nesse video destacar como o gesto pode ser entendido como esse exercício de concretude, de fé.
    Sim, "navegar é preciso"e acredito muito que o Improvisation Technologies é incrível nesse tipo de "desenho que escapa" onde a percepção da forma (o círculo, a porta) pouco importa... a de-formação dessas formas, do quanto aquela porta não é um porta mas ao mesmo tempo cria tensões com ela, me parece que ai está a potencialidade do gesto - que escapa.

    (NÂO PEGUEI A COISA DA CITAÇÃO QUE VC FEZ NO FIM DO SEGUNDO COMMENT... VOU LER O OUTRO POST PRA VER SE ENTENDO)

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  4. acordei com essa: forçar formas (como forsythe) é mara. rs

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