sexta-feira, 24 de junho de 2011

autismo - a máquina de abraçar

Mônica me mandou esta matéria com esta mulher autista que ficou famosa. Algumas questões interessantes pra nossa pesquisa, imagens associadas a experiências, um gesto artificial produzindo experiiencia real.... Vale a pena ver o vídeo no link.

Reportagem - O Globo - 15/11/2010

Na infância, o mundo externo era um enigma. "Quando eu tinha 3 anos, não conseguia falar nada. Eu me sentava e balançava, gritava, não olhava nos olhos de ninguém", conta a veterinária Temple Grandin.

O pai queria que ela fosse internada em uma instituição psiquiátrica. Temple Grandin recebeu o diagnóstico: autismo grave. O autismo é uma doença neurológica que causa dificuldades severas de comunicação, relações sociais e comportamento.

A infância e a adolescência foram muito difíceis, tendo que lidar com medo e a ansiedade, os sintomas do autismo, até que Temple Grandin foi levada para passar uma temporada em uma fazenda. Convivendo com os animais, ela entendeu que pensava de forma diferente.

"Eu me interessei por cavalos e, convivendo com eles, entendi que o meu jeito de pensar era diferente. O meu pensamento não é baseado em linguagem, mas em imagens", explica. Se ela ouve a palavra "árvore" vê uma certa árvore em que brincava, quando era pequena.

Temple descobriu ainda uma característica parecida com a dos animais. A tese dela é que a mente de um autista funciona como a de um animal. Medo é a principal emoção. "Animais estão sempre alerta. Antes de tomar antidepressivos, eu estava sempre olhando assustada, prevendo perigo."

Na fazenda, Temple ficou fascinada pela vacinação de vacas. Os animais eram levados do curral para um corredor. Barras de ferro se fechavam até o ponto de segurá-las. Elas não se machucavam e eram vacinadas. "Eu observei que os animais ficavam calmos, depois de serem pressionados. Notei que a pressão das barras de ferro os acalmava", diz Temple.

Temple teve a ideia de copiar o método de vacinação das vacas e criou a máquina do abraço, recriada em um filme que conta a história dela. Estrelado pela atriz Claire Danes, o filme ganhou sete estatuetas do Emmy, o Oscar da televisão.

Ela controlava a pressão da máquina, ficava ali até 20 minutos, uma vez por semana, e saía relaxada. “A pressão acalma. Não funciona com todo mundo. Por outro lado, fazer carinho levemente com a mão lhe causa medo”, diz.

Em 2005, o repórter Nelson Araújo esteve na Carolina do Norte com Temple Grandin e experimentou a sensação de ser abraçado pela máquina, e gostou: “É bom e realmente relaxa”.

A máquina do abraço não existe mais. Quebrou e não foi consertada. Temple Grandin diz que já consegue abraçar algumas pessoas. Foi um processo gradativo de perder a hiper-sensibilidade.

O processo começou ainda quando era criança. O esforço enorme da mãe, dos terapeutas e dos professores foi essencial para que ela se desenvolvesse. Com afeto, ajuda profissional e apoio, Temple conseguiu quebrar a barreira do autismo.

Hoje, ela tem pós-doutorado em veterinária. É especialista em neurociência e dá palestras no mundo inteiro para pecuaristas sobre como criar o gado, respeitando os animais. Ela desenvolveu um projeto de curral cheio de curvas, que reduz o estresse dos bois, antes do abate.

Temple surpreendeu psicólogos e psiquiatras, escrevendo livros e uma autobiografia, em que conta como é ser autista. Ela ensina como os sentimentos afetam quem tem autismo. “Eu tenho emoções, mas elas são simples, eu fico com raiva, fico triste, fico alegre e tenho medo”, revela.

Aos 63 anos, Temple diz que não quer parar de trabalhar nunca. Com o trabalho, ela faz parte do mundo. “Eu me sinto responsável por dar informações corretas para as pessoas e informações práticas. Essa é a minha missão", declara.

vídeo-reportagem com Temple Grandin

6 comentários:

  1. "meu pensamento não é baseado em linguagem, mas em imagens", explica. Se ela ouve a palavra "árvore" vê uma certa árvore em que brincava, quando era pequena" - isso me trouxe de volta para toda a discussão da xícara. Como se ela fosse incapaz de associar o nome a uma idéia "generalista" da coisa, mas sempre e apenas a uma ideía ancorada totalmente na sua experiência pessoal.
    Voltando à xícara e à música do Arnaldo Antunes - o nome das coisas não são as coisas- os conceitos não encerram tudo o que as coisas significam, mas ao mesmo tempo são eles que permitem que a gente minimamente se comunique, que eu fale "aquela árvore é bonita" e vc possa se aproximar de um entendimento do que falo.
    E voltando tb aos gestos, que são aprendidos culturalmente, e que nos sinalizam uma série de códigos de conduta pertencentes a contextos específicos. Há ai uma idéia de categorização e generalização, sem as quais não seria possível aprender que "quando a mamãe faz tal gesto, ela quer dizer - fica quieto". E me parece que isso é exatamente umas das impossibilidades dos autistas. Talvez seja como estar tão mergulhado na própria experiência presente e extremamente particular da coisa que nenhuma categorização ou generalização mais duradoura tem espaço para existir. um mergulho profundo, um envolvimento total, um transe, uma bolha...
    e eis que voltamos a algumas palavras que aparecem nos ensaios....

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  2. mas pensamos: o autista ainda assim se comunica? produz gestos? Mesmo estes escapando a qualquer sistema lógico significante-significado? Ainda há gesto no autismo?

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  3. esta pergunta me parece de ordem ontológica, seria como responder perguntando "mas o que é gesto?", ou ainda melhor "o que vc entende por gesto?" Seria alguma coisa atrelada indissociavelmente à comunicação?
    No vídeo "My language" a moça autista afirma que se comunica, mas que não é entendida, e pergunta: pq a comunicação de vcs é considerada "comunicação" e a minha "não comunicação"?
    Há tb a questão que o autista aprende o gesto (não de forma orgânica como a maioria das crianças, mas como artifício funcional de expressão), e é capaz de fazê-lo "artificialmente", para expressar alguma coisa.

    Lembrei agora do Treatise of Rethorical Delivery - falando sobre os princípios da chironomia, a arte de usar gestos para para dar maior credibilidade ao discurso, que vem desde os gregos, e é coisa muito usada pelos políticos,"impostores", atores ....

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  4. É... talvez a pergunta force a formulação de perguntas como "o que é gesto?", "o que se entende como gesto?", "comunicação está atrelada a gesto?"... mas pensei mais na indissociação entre gesto e percepção. Se reconhecemos "gesto" na ação de um autista, nas suas produções de rastros. Que ele se comunica, isso me parece inegável. Há comunicação mesmo que esta seja dissonante.
    Porém, para além de uma antologia fundamental do gesto ("o gesto enquanto tal"), quis mesmo sugerir um entrelaçamento entre gesto e percepção (percepção desse mesmo autista que produz e aquele outro que testemunha, que pode ser ele mesmo), se reconhece(mos), chama(mos) aquele rastro de gesto? Opera ali gesto?
    Me parece que sim... não como uma unidade bem demarcada que efetiva uma comunicação(gesto enunciativo) mas sim como problema, um querer-dizer-fazer que se concretiza em ato e comunica, mesmo escapando(gesto performativo). Há uma tensão entre gesto e percepção ao ponto que se não houvesse, muito provavelmente, esse nosso papo aqui sequer aconteceria.

    Agora, estabelecer limites entre artificialidade e realidade na utilização do gesto pode parecer que há sim uma ontologia fundamental, uma noção de gesto "enquanto tal". Onde está o limite que o dito gesto aprendido/apoderado também não é um mecanismo dito artificial para expressar melhor alguma coisa (manipulando-a, simulacreando-a), seja na tentativa de efetivar diretivamente uma comunicação ou aquilo que simplesmente fazemos sem nem se dá conta? O caráter artificial/ficcional do gesto está tão presente em autistas, os não-autistas, impostores, etc.

    Lembrei de São Genésio, padroeiro dos artistas, atores, palhaços e advogados. Parece no mínimo curioso, este útlimo, o advogado, aquele que exerce o cumprimento de leis - promessas de se fazer justiça, ser regido pelo mesmo santo padroeiro dos ditos artificiais, ficcionais, ir-reais artistas, atores e palhaços.

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  5. boa esta conversa. Interessante que S. Genésio seja o padroeiro de todos estes profissionais que lidam com a recriação/reapropriação do gesto para fins, digamos, explicitamente expressivos/ efetivos. Ou o que exatamente conecta o advogado ao ator/artista no contexto da relação com o gesto ?
    acho que valia a pena trazer mais informações sobre São Genésio e tb alguns trechos deste tratado de chironomia, para gente dar uma olhadinha.
    Esta discussão natural X artificial tb parece bem dessa alçada. Entendo e concordo com suas observações sobre a "artificialidade" de todo gesto, mesmo daqueles aprendidos inconsciente e "orgânicamente". Mas ... 1) e se tirarmos todo julgamento de valor, e não encararmos 'orgânico' como essencial ou verdadeiro, e 'artificial' como representação ou mentira, e sim como dois caminhos distintos de aprendizado que produziriam qualidades distintas de gesto? ; OU 2) e se a questão ai não é da ordem do natural X artificial mas sim da informação que é aprendida e introjetada X da informação que se mantem como artifício para alcancar determinado fim?; OU 3) se a questão não é aonde está a ênfase - no fim ou nos meios?, OU 4) que critérios podem distinguir um gesto de abraçar um amigo do gesto produzido pela máquina de abraços? um gesto qualquer aprendido "naturalmente"por uma criança do mesmo gesto quando aprendido, via terapia/estudo, por um autista adulto? a elouquência de uma mãe defendendo um filho X a de uma atriz fazendo este papel X a de um pastor pregando X de um advogado defendendo um réu que ele sabe culpado?
    De novo pensando nos ensaios... porque é que as vezes a gente "acredita" numa dança e à vezes não?
    Tenho cá minhas hipóteses, relacionadas com 2) e 3), ....

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  6. fala mais da distinção gesto enunciativo e gesto performativo?

    pode dar uma breve e digerível síntese destas teorias da comunicação? descrever a distinção entre signo X significante X significado ??

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