quinta-feira, 21 de julho de 2011

No GE, mais de Hubert Godard

No último GE, 18 de julho, estivemos mais uma vez discutindo questões de Hubert Godard, dessa vez através do texto Le Geste Manquant (O Gesto Faltante) – texto em que Godard faz relação do gesto com a psicanálise. Bom, o texto não tem tradução para português, mas temos a dupla sorte de termos no GE a Silvia Soter, que morou muitos anos na França e inclusive conheceu pessoalmente o Godard, e Eléonore Guisnet, “francesa original”, portanto dispensa comentários. Funcionou assim: Soter ia lendo e traduzindo diretamente para português; nos momentos em que algo truncava Guisnet socorria (com todos os artifícios gestuais, mímicos... enfim, o problema da tradução).

Como, para mim, francês é ultra mandarim, não vou me arriscar a traduzir nem mesmo afirmar colocações de Godard. Vale ressaltar que não tive acesso ao texto escrito... somente ouvi a tradução e fiz uns rabiscos no caderno de pontos que marcaram a discussão e me fizeram pensar em coisas outras. Alguns desses pontos, acredito, escapam ao próprio texto, mas chegou de alguma forma por conta dele e seu em torno. Vou transcrevê-los como aparecem no caderno...

Podemos então comentá-los sem fidelidade ao texto pelo exercício do desdobramento. Aqui faço um convite a quem possa interessar a manter as dobras:

  • Godard parece querer discutir a relação entre gesto e carga simbólica, evidenciando sempre que toda ação simbólica surge de uma experiência concreta anterior. Ex.: O gesto de negar (gesto com a mão) está relacionado à experiência de empurrar algo com as mãos, afastar do corpo. Ou seja, a forma como se nega algo está relacionado a uma experiência de corpo no mundo;
  • Sendo o gesto advindo de uma experiência física/concreta mais do que uma “kinesfera” e uma “dinamosfera” como apresentou Laban, segundo Godard, nós seríamos portadores de uma “gestosfera“, que é singular às experiências de cada indivíduo, portanto irregular, disforme;
  • Imagem corporal se constrói na relação com o mundo e é constituída de caráter simbólico e afetivo. Sendo assim podemos fazer relação entre imagem corporal e gestosfera, pois ambos se constituem frutos da experiência;
  • Do ponto de vista da psicanálise X gesto, a noção de autonomia do indivíduo está relacionada desde o primeiro momento em que o bebê sai do eixo da mãe (o corte umbilical) e passa a se relacionar com a postura, o peso, a resistência a gravidade, o empurrar do chão, comer, se relacionar com objetos, etc.
  • Lembro que falei de uma relação “heterautonoma” (heteronomia X autonomia) ou uma “autonomia intransitiva”: o bebê passa a não depender mais diretamente da mãe para se relacionar no espaço mas passa a operar dentro de um jogo de codenpendências ao outro, que é sempre por vir, impossível de ser apreendido. Sendo assim, o eu (indivíduo, self, sujeito...) se diz autônomo porém é pertencente a um jogo de alteridade. Nesse sentido, todo self é exteroceptivo. O dito “eu” que converso comigo mesmo (que se diz lá dentro) é um outro (exterior) como quem esse outro eu conversa. Eu-outro, interior-exterior, se confundem... mas, politicamente, me parece interessante perceber esse jogo relacional como outro-outro.
  • Seria possível pensar a gestosfera como uma ética corporal? Modo de operação/relação com o mundo. Experiência – alteridade – corpo – postura – carga simbólica...
  • Já que o gesto está imbricado o fator ético, como não cair no risco da leitura do corpo? Como aquelas dicas e cursos de “psico-RH” que diz quais posturas e gestos são mais adequados numa entrevista de trabalho ou numa negociação com o cliente... “etiqueta”. Talvez, seja o caso de discutir sobre a não restituição do gesto.
  • Falamos no GE que o gesto se diferencia de movimento justamente porque gesto se constitui na relação/tensão com o outro. Mas seria possível pensar num movimento isolado do outro? Que movimento escaparia ao jogo de co-dependência? Pensar nessa premissa também não parece admitir “gesto” como uma intenção de encerrar significado ou regulador da comunicação? - regulador aqui não deve ser entendido negativamente... regulador como mecanismos de intenção/desejo.

Não conseguimos terminar a leitura/tradução do texto... muito porque íamos parando para discutir coisas. Godard tem sido um grande parceiro para desdobrarmos questões sobre o gesto. Essas observações que transcrevi são super anotações e rabiscos pessoais. Podemos desdobrar essas questões ou trazer outras, associá-las. Semana que vem retornaremos a Godard em outro texto, dessa vez em português, intitulado "Olhar cego" - entrevista concedida a Suely Rolnik. Enquanto isso, façamos rabiscos em cima de rabiscos.

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