Toda vez que é preciso explicar uma idéia pra alguém é tb uma chance de revisitá-la de um outro lugar no tempo-espaço, ou seja, de repensá-la, redescobrí-la, reinventá-la, reconceituá-la.
Escrevo no meu caderno os objetivos desta residência: Partilhar o processo e as questões que envolvem o projeto 100 gestos, convidando os Couves e agregados a me ajudarem a processar minhas perguntas, experimentar caminhos, descobrir procedimentos e novas formas de ver e pensar a questão do gesto, criar provocações. Lembro que escrevi este projeto em 2007, tinha acabado de publicar meu livro – Aquilo de que somos feitos: corpo, política e discurso da dança de Lia Rodrigues – e estava imbuída da necessidade de dar a ver o caráter político das escolhas que envolvem qualquer performatividade. Gesto enquanto meio (a la Aganben – meio sem fim), meio enquanto performatividade, performatividade enquanto política, uma política dos meios. Como dar a ver a gênese do gesto, o gesto se construindo, o gesto enquanto escolha, projeto no mundo?
“Para Aganben,o gesto é a exibição da mediação, o processo de tornar um significado visível. As artes que pertencem essencialmente ao reino da ética e da política, e não apenas da estética, encontram no seu âmago o gesto, uma vez que ele é o fundamento da comunicação.(...) É o gesto que parece fazer as mediações do sujeito com o mundo, muito antes das palavras.” (Christine Greiner, O corpo, cap. 3, página 92)
Algumas inquietações e desejos muito pessoais, percebo, norteiam esta minha proposta, este meu gesto de mergulhar no gesto – ainda é possível dançar e redescobrir o movimento como motor de reconfiguração perceptiva? O gesto dançado ainda pode ser produtor de novos sentidos, novas linguagens?
Resolvo fazer, então, tabula rasa – afinal, o que entendo por gesto? Falo do início do projeto em dezembro de 2010 com 10 entrevistas com profissionais diversos da psicanálise à filosofia, à antropologia e aos estudos somáticos a partir desta questão, e do grupo de estudos que pretende esmiuçar cada uma destas entrevistas e abrir novas perspectivas para pensar gesto. Falamos da distinção korpse X soma, movimento X gesto.
Gustavo diz que se propor a ver movimento de dança como gesto, e não como passo, já é em si um ato político. Proponho partir de alguns procedimentos que tenho experimentado: as listas e inventários de gestos, (dar a ver a especificidade de cada escolha gestual pelo jogo entre a repetição e a diferença), a esquizofrenia gestual.
Lemos trechos de “Gesto e percepção”, de Hubert Godart e do livro “O corpo” de Christine Greiner. Questões pipocam, são muitas, acho que não darei conta de traduzi-las todas aqui, em palavras.
O gesto se define tanto por aquele que o produz como por aquele que o lê – não se pode separar um gesto de seu contexto.
Experiência de mundo = experiência do pensamento = experiência simbólica
“Antes de fazermos gestos, aprendemos a pegar coisas, o conhecimento é incorporado em nossas mãos. (...) A comunicação gestual é portanto mediada pelo conhecimento experienciado sobre o mundo material. Alguns gestos perderam aos poucos sua conexão imediata com a experiência material do qual derivaram, e acabam circulando na vida social como formas puramente simbólicas. Estes se organizam assim porque a sua existência se estende alem das pessoas que as utilizam. (...) Gestos são uma prática simbólica incorporada cinestesicamente, conhecida por quem faz, visualmente conhecida pelos observadores, e derivada de um mundo onde está também embebida naquilo que as mãos operam. (...) Os gestos, assim como os objetos, não mapeiam um conjunto de taxonomias fixas. Os objetos da vida mental não são estáveis. Os eventos mentais são adaptados aos seus contextos. Um pensamento sobre rãs em um restaurante francês é muito diferente do pensamento sobre rãs em um lago”. (Greiner, op. citada, pg. 99)
Ronie nos contou que o gesto masculino de apertar as mãos num encontro cordial teria derivado do hábito remoto, entre homens, de apertar as mãos para mostrar que as mãos não seguravam pedras (que poderiam ser jogadas nos outros numa situação de hostilidade). A expressão de cordialidade ficou impregnada no gesto, o qual perdeu a sua conexão com a sua materialidade de origem, virou símbolo, ícone.
O gesto que simboliza X o gesto não codificado – ver a Wikipédia, que classifica gesto como
“a form of nonverbal communication in which visible bodily actions are used to communicate particular messages, either in place of speech or together and in parallel with spoken words. Gestures include movement of the hands, face, or other parts of the body.”
O gesto enquanto deflagrador de cultura : “o brasileiro expansivo no metrô de Paris”, o corpo estrangeiro, o gesto social...
Edu lança a pergunta - sotaque é gesto? Junto com o sotaque vem a atitude de uma determinada cultura
Gesto = atitude = postura = engajamento = presença ?
Extensões do gesto – o computador, o carro, o microfone, a arquitetura...
A questão do olhar de quem dança/a questão da presença
Metáforas e tags para nossas experiências de esquizofrenia gestual : “pegar uma onda” numa proposta gestual/ pegar e largar/ entrar e sair/zapear/ se engajar mas desapegar/ não segurar nenhuma narrativa, de nenhuma ordem, nem relacional, nem teatral, nem cinestésica, nem.../ não construir coerência narrativa subjetiva
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