domingo, 2 de outubro de 2011

MEDITANDO GESTO COM BADIOU, POLÍCIAS E CRIANÇAS FUNKEIRAS NA PRAIA DE COPACABANA – uma homenagem aos erês São Cosme e Damião

Ontem resolvi reler um texto de filosofia e dança que há muito tempo me intriga porque me dá muitas pistas sobre a diferença radical entre o projeto ético e estético da dança e do teatro, áreas por onde transito, onde tenho uma queda especial abismal pela dança (apesar de às vezes parecer o contrário porque assumo pouco a dança, me dá um pouquinho de vertigem, rs, mas é um pensamento radical de dança que me identifico bastante, um pensamento mais que anárquico, de criança pura, de criança sem polícia tipo o que a Anita falou na sexta, a gente falou tanto dessas duas figuras na oficina da Dani, e mesmo a elaboração da experiência pra mim vem de uma forma infantil como uma das crianças que me presenciou dançando na praia hoje, dançou comigo e me fez 2 perguntas simples e diretas: Você estava meditando? Por que você não podia falar comigo naquela hora? E concluiu: “Você é especial”). É um artigo do Alain Badiou que está dentro do “Pequeno manual de inestética” (quase um pequeno inventário das possíveis relações entre a filosofia e cada uma das artes, teatro, cinema literatura, poesia, até ele chegar ao capítulo da dança onde ele a afirma como não arte, bem curioso, to quase concordando, rs) e se chama “A dança como metáfora do pensamento”.

E aí eu olhei obviamente pelo enfoque do GESTO e, caraaalhoouuu, ele fala lindamente que “o movimento não é um deslocamento (desconversando o Godard) ou uma transformação, é um traçado que atravessa e sustenta a unicidade eterna de uma afirmação; a dança é o primeiro móvel porque cada gesto, cada traçado da dança deve apresentar-se não como conseqüência, mas como o que é a própria origem da mobilidade. Criança, inocência, esquecimento, novo início. Afirmação simples. No auge da arte, a dança mostraria a equivalência estranha não apenas entre a prontidão e a lentidão, mas entre o gesto e o não-gesto. Indicaria que, embora o movimento tenha tido um lugar, não é possível distinguir esse ter-lugar de um não-lugar virtual. A dança compõe-se de gestos, que obsedados por sua retenção, permanecem de certa forma indecididos”.

Eu vejo o nosso “empilhamento” como esse traçado no espaço que vai passeando entre o que não tem lugar (que não é um nada, me lembra aquela parte da entrevista com o Benilton, do gesto inaugurando um novo lugar, ou seja, o movimento às vezes não tem lugar no empilhamento, mas acontece, inaugura algum lugar, mesmo que não seja reconhecido) e o que tem lugar quando retemos, fazemos uma pose ou uma foto em movimento, quando colocamos essa cereja no bolo (eu não gosto de cereja no bolo, prefiro cereja crua, coloquei nozes nesse que eu to fazendo agora, noz macadamia que é mais especial ainda, amanhã levo pra vcs comerem tb). E aí fecha, vem o gozo do espectador, o teatro, o foco, o enfoque, as camadas, o acento, o grifo, o signo, o ícone, tudo isso. E a dança está justamente nesse ENTRE, tão difícil tão difícil (tão difícil X 5 porque pra Léo não é tão difícil assim, a Léo tem esse pensamento de dança bem instalado no seu corpo-máquina- cultura francesa-parceira subjetiva de nosso mestre Badiou; já eu faço deste traçado um samba doido, não espero, antecipo, sem papas na língua, apego no tempo rítmico, militar, de ícones e a Madonna, o toureiro, a funkeira, todos me tomam e hoje um dos adolescentes que me viu dançar sozinha na praia disse que eu não tava sozinha não, que eu tava era acompanhada!!! Pois é... não é mole não, fácil é se entupir de referência, esvaziar os nomes é que é difícil, imagine se eu visse televisão, usasse mais a rede internet e menos a rede que eu trouxe de João Pessoa, haha, os nomes são as polícias e elas estão todas aí, não precisamos chamá-las pelos nomes, e agora? como é que fazemos desaparecer as polícias???, não é chamando outras nem matando, violência gera violência, é preciso ..., preciso de muitos não-gestos entre a autoridade e a selvageria até esquecer que não há uma régua entre a criança e a polícia, elas são só mais dois grãos de areia nesta praia de Copacabana, embora um desses grãos fazendo uso de uma simples arma possa fazer desaparecer toneladas de areia que podiam estar servindo para fazer esculturas de bundas de areia, não sei o que é pior, se é a polícia ou polícia sublimada travestida de cultura, erg, nojo) de sustentarmos, de sistematizarmos esse percurso-traçado, e essas operações, alavancas, molas e motores que aparecem sem nome ainda, sem narrativa, sem objetos, sem figurinos, sem cenário, sem antes e depois, sem conseqüência, sem coerência, sem encadeamento, sem polícia, sem nexo. É... esse gesto puro... é beeeemmm potente. A gente tem visto o quanto é ÁRIDO empilhar-traçar. DESERTO do S... Cala a boca! Que tem tudo a ver com o quinto princípio dos seis que Badiou coloca para a dança:

5) a NUDEZ. Nudez de conceito. Que não resulta de se despojar de ornamentos (que isso é o nu fetichista do teatro), é a nudez antes da existência de qualquer ornamento, do acontecimento antes do nome, sítio virgem do pensamento,

adorei isso porque é quase como se o gesto fosse o arrombamento de um não gesto e quando a gente empilha a Léo (aposto que a Léo já desistiu de ler esse antro de palavras antropofagiadas!) e força um braço-gesto nela, é como se a gente estivesse arrombando a Léo, quer dizer, desvirginando a possibilidade de um não-gesto que ficaria em aberto, esquecido pelo espectador e nunca seria lido de uma forma objetiva. E essa nudez de conceito da dança é tão nua tão nua tão nua que se apresenta sem relação com outra coisa senão consigo mesma. E agora eu bolei com Badiou, to boladona, boladona, boladona,

“A dança é o pensamento sem relação, o pensamento que nada traz, que nada relaciona”

E a relação com o espaço, com o tempo, com o fluxo??? Agora Badiou esfaqueou Laban por trás. Sangue jorrando. Aí Lindon, agora tu tá gostando... Hum, deve ser porque não é uma relação, o bailarino é a própria encarnação, imanência, incorporação, incorpação do espaço, do tempo,...ai, palavras apenas palavras pequenas, por que eu sempre preciso fazer um comentário do comentário? Cala a boca.

Nesse texto, Badiou se inspira em palavras-falas bem poéticas de Nietzsche e Mallarmé como “Aquele que aprender a voar (no caso, o dançarino) dará À TERRA um novo nome. Acabará por chamá-la A LEVE” (Zaratustra) e “O corpo dançante são apenas símbolos, não alguém (a gente vive batendo nessa tecla, que a dança não tem sujeito, não tem personificação). A dança é o poema liberto de todo o aparato do escriba” (Mallarmé) “A “verdadeira dançarina jamais deve aparecer como a (hum, cheirinho de bolo queimaNDO AAAAIII, e o meu bolo ta quase queimando, peraí, que eu vou desligar) que sabe a dança que dança. Seu saber é atravessado, como nulo, pelo surgir puro de seu GESTO. É esquecimento milagroso de todo o seu saber de dançarina, ela não executa qualquer dança, é essa intensidade retida que manifesta o indecidido do GESTO (o gesto que pode ir para qualquer lugar, um pouco a sensação que o Thiago afirma no jogo de roubar). Na verdade a dançarina suprime toda dança que sabe porque dispõe de seu corpo como se ele fosse inventado. De modo que o espetáculo de dança é o corpo subtraído a todo saber de um corpo, o corpo como eclosão” (e isso é o próprio Badiou falando)

Continuando Badiou... Agora é pra mim, pra eu domar meu cavalinho... “A dança não é absolutamente a impulsão corporal liberada, a energia selvagem do corpo. Ao contrário, é a mostração corporal da desobediência a uma impulsão. A dança mostra como uma impulsão pode se tornar ineficaz no movimento, de maneira que não se trata de uma obediência, mas de uma retenção. A dança é o pensamento como refinamento. Estamos no oposto de qualquer doutrina da dança como êxtase primitivo ou agitações repetidas e descuidadas do corpo. A dança metaforiza o pensamento leve e sutil, precisamente porque mostra a retenção imanente ao movimento e assim se opõe à vulgaridade espontânea do corpo”

Badiou fala do absoluto, fulgurante e efêmero olhar sobre a dança, ela desaparece assim que ocorre, a dança eterniza o movimento porque a gente vê a força criadora do seu desaparecimento, desmoronamento. Na hora veio a imagem da Léo desmontando o empilhamento do bebezão e criando novos lugares. Ele diz que a dança é extraordinária na iminência e suspende o tempo no espaço. E não é uma eternidade que faz durar uma identidade, é uma eternidade que conserva o seu desaparecimento.

A gente tem falado muito dessa dimensão de sonho, de camadas, de memórias misturadas. Da Árvore da Vida. Hoje eu tive uma experiência, vivi um sonho ou meditei o nosso material, como quiserem. Tenho feito isso às vezes, porque quero, porque preciso, porque é um termômetro pra mim, dançar em espaço aberto, não me planejo para isso, isso simplesmente acontece há uns 10 anos, acho q eu sou reconhecida como a doida da praia de Copacabana! E hoje eu me senti como uma árvore, uma árvore na praia?, tá bom, um coqueiro vai, era como se eu estivesse ali há muito muito tempo vomitando gestos e não-gestos, e árvore vomita, quer dizer, coqueiro vomita, e eu sentia que as pessoas se aproximavam para regar essa árvore, para colher um fruto, para pixar, para derrubar, ou às vezes nem se davam conta da existência dessa árvore e eu olhava e escutava as pessoas como paisagem, recebia as vozes, os olhares, os afetos, mas sem sair do meu lugar, me dando conta de meus líquidos, seivas brutas, galhos retorcidos (eu tive um pouco essa sensação na nossa demonstração de trabalho na unirio, mas hoje foi realmente incrível, não é que eu estivesse tendo uma relação pessoal com as pessoas, não, era uma relação impessoal, às vezes escutava um comentário muito ao longe embora a pessoa estivesse quase invadindo minha quinesfera, me jogando areia na cara ou ameaçando levar minha canga embora, e às vezes escutava comentários muito perto de mim, quase no meu ouvido, embora tivesse um grupo de adolescentes lá longe, cantando e se supondo a minha trilha sonora). Eu fico pensando que é realmente por aí, a gente dança, a gente põe, a Dani supõe, vice-versa, a gente se supõe, a gente se opõe, a gente se depõe e o espectador faz o teatro (aliás o quanto só dançar pode mobilizar e provocar sem ter essa intenção é fato, juntou umas 80 pessoas hoje enquanto dançava na praia, nas disposições espaciais e temporais mais incríveis, de perto, de longe, de pausa, de roda, de fila, de dupla, de dentro, de fora, de ruído e a praia toda dançava sem eu sair do lugar, essa mobilização pra mim é emocionante porque eu não finjo que eu sou só de dança, sou de teatro, e sociologicamente falando quem mais representava essa afetação pelo movimento eram jovens, (e aí lembrei daquele documentário sobre os jovens que são o termômetro e inauguradores de gestos) jovens do morro, e teve uma hora que juntou uns 10 adolescentes fortes à minha volta e eu senti um puta medinho, esses caras vão me bater, vão me machucar, quer coisa mais provocativa do que o silêncio, eles podem fazer o que eles quiserem porque eu estou no fluxo do movimento, já to em jogo e aí fudeu e aí vai explicar isso com o seu pós-doutorado que você só quer deslocar o olhar do espectador e o espectador vai deslocar o meu olho e agora eu vou tomar um soco bem na fuça, e aí eles não foram nada selvagens, quer dizer eles me arrombaram com a violência do nome, da linguagem, e esse ruído, interferência foi delicioso tipo água de coco descendo geladinho na garganta, e aí veio o milagre da civilização, (na verdade, antes, quando eles tavam putos da cara, eles já tavam na civilização porque estavam se sentindo provocados pela linguagem, um silêncio da minha dança que eles interpretaram como provocação, pelo que eles estavam lendo do meu movimento que não é meu coisa nenhuma) e eles começaram a nomear, “ih! ta fazendo Shakira (quando eu dançava a Carmem Miranda), Beyonce (quando eu dançava a Madonna), ih, cansou (quando eu estava nos entres, só dançando) ih virou garçon, rapper? Faz passinho, ih quer brigar, vai pentear o cabelo? ih mandou vc tomar no cú, aheeee, faz o michael, faaaz, faaaz ”, palmas, risadas, empurrões entre eles, vai lá, vai lá e eles começaram a cantar, passaram pelos ícones séc XXI da época deles que eu nem reconhecia, cantaram muito funk, rock, de um tudo, uns adolescentes se arriscaram a dançar, mas sempre comentando, fazendo paródia e somente UMA CRIANÇA dançou sem saber o que ela estava fazendo, esquecia e lembrava seu funk e sua capoeira, e ficou ali comigo um tempo, suspendemos o tempo no espaço, gostinho de eternidade, e o mais lindo era quando eu passava desapercebida, eles não tavam nem aí pra mim, e/ou o silêncio que eu escutava no silêncio das pessoas) quem não for espectador, ah esse sim é o espectador perfeito da dança, está dançando, difícil dançar sem esperar ser olhado e nomeado, difícil olhar sem esperar nada, difícil subtrair sem antes nomear,... por aí... por aí... cheiro de peixe, venda seu peixe, cheiro de maresia no ar.

Nomes-Frases-Expectativas que também escutei hoje (não tomem esses comentários como pessoais, eles simplesmente informam sobre o lugar que eu acredito que a dança atrite no seu entorno se é que ela tem uma circunferência para alcançar):

“Ih A lá, ta drogada”

“Maconha nada, é pó mesmo”

“Pó nada, é bala”

“Ela voltou do Rock’n Rio”

“Nada, o Rock´n Rio é aqui”

“Você não quer que eu coloque uma música não, tá muito quieto aqui”

“Ih, ela não ta doida não, aí, olha só, ela ta me escutando”

“Ih, ela ta me copiando”

“Ta careta mesmo” (Bingo!)

“Faz isso não, que eu vou acabar me apaixonando”

“Sai daí, gatinha, vem pra cá”

“Aí, que bagulho doido é esse aí?”

“Eu também danço, quer ver?”

“Ta pegando santo. Ta sozinha não, ela ta é acompanhada”

“Tia, você é especial?” (Aí eu lembrei de você, Lindon, de um dos seus 20 gestos, quase que eu respondi, não, eu só to quebrando pedra pra ver se eu acho pedra preciosa)

“Acho que é tipo mímica, mas tem coisa que eu não entendo não”

“Aí colega, onde é que desliga o seu botão pra tu parar de dançar”

“Pô Juninho, tu vai ficar parado aí, pô vamu dar um mergulho, chega dessa baboseira”

“O que vc vai fazer agora que todo mundo parou de rir?”

“Maria, filhaaa, sai daí já, vem pra cá”

“Não quer fazer uma tatuagem, gatinha?”

"Bronzeador Bronzeador"

“Chora não”

“Ta chorando nada, ta de sacanagem com a nossa cara”

"Interna no manicômio. Pirou mesmo"

“Tia, por que você quase me deu um chute na cara?”

“Já ta aí há umas duas horas, desde que eu montei a minha barraca, não cansa não”

“Tia, você ta meditando?”

“Você está tão diferente agora falando normalmente comigo, eu achei que você era outra pessoa, achei que você era maluca”

E ainda tem o gesto do mar, da areia, do ar, (isso não é gesto, é movimento segundo Godard) mas por que me dá tanto prazer gesto de gente? Por que eu preciso de gente pra meditar? Não sei meditar sozinha ainda. MeditAÇÃO. MeditaGESTO. Me digesto. Fazendo a digestão na frente de vocês. Têm vergonha, não, garota?

E enquanto a meditação ainda não está 100%, enquanto ainda houver culpa, Desculpa qualquer falta de didatismo, academicismo ou pedagogia, o gesto demasiado infantil da minha escrita e o excesso de engajamento, encenação, exposição, paixão, sinceridade, verdade e parênteses.

E obrigada MUITO OBRIGADA por todos os lugares novos que a nossa convivência têm aberto em mim. Feliz de ter caído de páraquedas nesse PROGESTO. E ainda to caindo o o o

Nenhum comentário:

Postar um comentário